terça-feira, 12 de janeiro de 2021

 

Poemas aos homens do nosso tempo
De Hilda Hilst
 
I
Senhoras e senhores, olhai-nos.
Repensamos a tarefa de pensar o mundo.
E quando a noite vem
Vem a contrafacção dos nossos rostos
Rosto perigoso, rosto-pensamento
Sobre os vossos atos.
A muitos os poetas lembrariam
Que o homem não é para ser engolido
Por vossas gargantas mentirosas.
E sempre um ou dois dos vossos engolidos
Deixarão suas heranças, suas memórias
A ideia, meus senhores
E essa é mais brilhosa
Do que o brilho fugaz de vossas botas.
Cantando amor, os poetas na noite
Repensam a tarefa de pensar o mundo.
E podeis crer que há muito mais vigor
No lirismo aparente
No amante Fazedor da palavra
Do que na mão que esmaga.
A ideia é ambiciosa e santa.
E o amor dos poetas pelos homens
É mais vasto
Do que a voracidade que vos move.
E mais forte há de ser
Quanto mais parco
Aos vossos olhos possa parecer.
 
II
Amada vida, minha morte demora.
Dizer que coisa ao homem,
Propor que viagem? Reis, ministros
E todos vós, políticos,
Que palavra
Além de ouro e treva
Fica em vossos ouvidos?
Além de vossa rapacidade
O que sabeis
Da alma dos homens?
Ouro, conquista, lucro, logro
E os nossos ossos
E o sangue das gentes
E a vida dos homens
Entre os vossos dentes.
 
III
Sobre o vosso jazigo
– Homem político –
Nem compaixão, nem flores.
Apenas o escuro grito
Dos homens.
Sobre os vossos filhos
– Homem político –
A desventura
Do vosso nome.
E enquanto estiverdes
À frente da Pátria
Sobre nós, a mordaça.
E sobre as vossas vidas
– Homem político –
Inexoravelmente, nossa morte.
 
IV
                                                                A Federico García Lorca        
Companheiro, morto desassombrado, rosácea ensolarada
Quem senão eu, te cantará primeiro. Quem, senão eu
Pontilhada de chagas, eu que tanto te amei, eu
Que bebi na tua boca a fúria de umas águas
Eu, que mastiguei tuas conquistas e que depois chorei
Porque dizias: “amor de mis entrañas, viva muerte”.
Ah, se soubesses como ficou difícil a Poesia.
Triste garganta o nosso tempo, triste triste.
E mais um tempo, nem será lícito ao poeta ter memória
E cantar de repente: “os arados van e vên
                                  desde a Santiago a Belén”.
Os cardos, companheiro, a aspereza, o luto
A tua morte outra vez, a nossa morte, assim o mundo:
Deglutindo a palavra cada vez e cada vez mais fundo.
Que dor de te saber tão morto. Alguns dirão:
Mas está vivo, não vês? Está vivo! Se todos o celebram
Se tu cantas! estás morto. Sabes por quê?
                    “El passado se pone
                    su coraza de hierro
                    y tapa sus oídos
                    con algodón del viento.
                    Nunca podrá arrancársele
                    un secreto.”
E o futuro é de sangue, de aço, de vaidade. E vermelhos
Azuis, brancos e amarelos hão de gritar: morte aos poetas!
Morte a todos aqueles de lúcidas artérias, tatuados
De infância, o plexo aberto, exposto aos lobos. Irmão.
Companheiro. Que dor de te saber tão morto.
V
        de cima do palanque
                     de cima da alta poltrona estofada
                     de cima da rampa
                     olhar de cima
 
Líderes, o povo
Não é paisagem
Nem mansa geografia
Para a voragem
Do vosso olho.
Povo. Polvo.
Um dia.
O povo não é o rio
De mínimas águas
Sempre iguais.
Mais fundo, mais além
E por onde navegais
Uma nova canção
De um novo mundo.
E sem sorrir
Vos digo:
O povo não é
Esse pretenso ovo
Que fingis alisar,
Essa superfície
Que jamais castiga
Vossos dedos furtivos.
Povo. Polvo.
Lúcida vigília.
Um dia.
 
VI
Tudo vive em mim. Tudo se entranha
Na minha tumultuada vida. E por isso
Não te enganas, homem, meu irmão,
Quando dizes na noite, que só a mim me vejo.
Vendo-me a mim, a ti. E a esses que passam
Nas manhãs, carregados de medo, de pobreza,
O olhar aguado, todos eles em mim,
Porque o poeta é irmão do escondido das gentes
Descobre além da aparência, é antes de tudo
livre, e por isso conhece. Quando o poeta fala
Fala do seu quarto, não fala do palanque,
Não está no comício, não deseja riqueza
Não barganha, sabe que o ouro é sangue
Tem os olhos no espírito do homem
No possível infinito. Sabe de cada um
A própria fome. E porque é assim, eu te peço:
Escuta-me. Olha-me. Enquanto vive um poeta
O homem está vivo.
 
VII
                    Homenagem a Pavel Kohout
 
Que te devolvam a alma
Homem do nosso tempo.
Pede isso a Deus
Ou às coisas que acreditas
À terra, às águas, à noite
Desmedida,
Uiva se quiseres,
Ao teu próprio ventre
Se é ele quem comanda
A tua vida, não importa,
Pede à mulher
Àquela que foi noiva
À que se fez amiga,
Abre a tua boca, ulula
Pede à chuva
Ruge
Como se tivesses no peito
Uma enorme ferida
Escancara a tua boca
Regouga: A ALMA. A ALMA DE VOLTA
 
VIII
Lobos? São muitos.
Mas tu podes ainda
A palavra na língua
Aquietá-los.
Mortos? O mundo.
Mas podes acordá-lo
Sortilégio de vida
Na palavra escrita.
Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.
Raros? Teus preclaros amigos.
E tu mesmo, raro.
Se nas coisas que digo
Acreditares.
 
IX
Ao teu encontro, Homem do meu tempo,
E à espera de que tu prevaleças
À rosácea de fogo, ao ódio, às guerras,
Te cantarei infinitamente à espera de que um dia te conheças
E convides o poeta e a todos esses amantes da palavra, e os outros,
Alquimistas, a se sentarem contigo à tua mesa.
As coisas serão simples e redondas, justas. Te cantarei
Minha própria rudeza e o difícil de antes,
Aparências, o amor dilacerado dos homens
Meu próprio amor que é o teu
O mistério dos rios, da terra, da semente.
Te cantarei Aquele que me fez poeta e que me prometeu
 
Compaixão e ternura e paz na Terra
Se ainda encontrasse em ti, o que te deu.
 
X
Amada vida:
Que essa garra de ferro
Imensa
Que apunhala a palavra
Se afaste
Da boca dos poetas.
PÁSSARO-PALAVRA
LIVRE
VOLÚPIA DE SER ASA
NA MINHA BOCA.
 
Que essa garra de ferro
Imensa
Que me dilacera
 
Desapareça
Do ensolarado roteiro
Do poeta.
PÁSSARO-PALAVRA
LIVRE
VOLÚPIA DE SER ASA
NA MINHA BOCA.
 
Que essa garra de ferro
Calcinada
 
Se desfaça
Diante da luz
Intensa da palavra.
 
PALAVRA-LIVRE
Volúpia de ser pássaro
 
Amada vertiginosa.
 
Asa.
 
XI
Se o teu, o meu, nosso do tigre
Se fizesse livre, como seria?
Se convivesses unânime
Como as estrias do dorso
Desse tigre
Convivem com seu todo
Te farias mais garra?
Mais crueza? Ou nasceria
Em ti uma outra criatura
Límpida, solar, ígnea?
Tentarias a sorte de saltar
Em direção a Vega, Canópus?
Te chamarias tigre ou Homem?
Homem: reverso da compulsória
Fome do tigre.
Homem: alado e ocre
Pássaro da morte.
 
XII
Vou indo, caudalosa
Recortando de mim
Inúmeras palavras.
Vou indo, recortando
Alguns textos antigos
Onde a faca finíssima
Sublinhava
As legendas políticas
E um punhal incisivo
Apunhalava
Um corpo amolecido
O olho aberto, uma bota
Pontiaguda
entrando no teu peito.
Os meus olhos te olhavam
Como de certo o Cristo
Te olhou, piedade
Compaixão infinita
Ah, meu amigo
Que límpida paixão
Que divina vontade
Fervor feito de lava
Fogo sobre a tua fronte
Tanto amor
E não te deram nada.
Deram-te sim
Ferocidade, grito
E sobre o corpo
Chagas
E mãos enormes, garras
Te levando o rosto
E inúmeras palavras
Tão inúteis na noite.
Diziam que adolescência
Moldou a tua ideia
Que eras como um menino
De encantada imprudência
Loucura caminhares
Na trilha da floresta
Sem luminosa armadura.
Mas eu, poeta, vou indo
Caudalosa
Recortando as palavras
Tão inúteis
E os meus olhos de treva
Vão te olhando
E te guardo no peito
Intenso, aberto
Colado a mim
Homem-Amor
Inteiro permanência
No todo despedaçado
Do poeta.
 
XIII
Ávidos de ter, homens e mulheres
Caminham pelas ruas. As amigas sonâmbulas
Invadidas de um novo a mais querer
Se debruçam banais, sobre as vitrines curvas.
Uma pergunta brusca
Enquanto tu caminhas pelas ruas. Te pergunto:
E a entranha?
De ti mesma, de um poder que te foi dado
Alguma coisa clara se fez? Ou porque tudo se perdeu
É que procuras nas vitrines curvas, tu mesma,
Possuída de sonho, tu mesma infinita, maga,
Tua aventura de ser, tão esquecida?
Por que não tentas esse poço de dentro
O incomensurável, um passeio veemente pela vida?
 
Teu outro rosto. Único. Primeiro. E encantada
De ter teu rosto verdadeiro, desejarias nada.
 
XIV
                    Não há bombas limpas.
                    Mário Faustino
 
Bombas limpas, disseram? E tu sorris
E eu também. E já nos vemos mortos
Um verniz sobre o corpo, limpos, estáticos,
Mais mortos do que limpos, exato
Nosso corpo de vidro, rígido
À mercê dos teus atos, homem político.
Bombas limpas sobre a carne antiga.
Vitral esplendente e agudo sobre a tarde.
E nós na tarde repensamos mudos
A limpeza fatal sobre nossas cabeças
E tua sábia eloquência, homens-hienas
 
Dirigentes do mundo.
 
XV
Leopardos e abstrações rondam a Casa.
E as mãos, o ato puro pretendendo. Ainda
Que eu soubesse o que tudo vem a ser,
A ideia, a garra, de mim mesma não sei
A fonte que gerou tais coisas nesta tarde.
Leopardos e abstrações. Que vêm a ser?
Roxura, ansiedade? Memórias de Qadós,
Soberba e desafio se fazendo ronda
Plúmbeo Qadós diante da luz de Deus?
Se as tardes se fizessem meninice
Para que eu descansasse. Se as mãos
Fossem as mãos de Agda, eu decerto cavava.
E morrendo, descobria a mim mesma
Me fazendo leopardo e abstração
Na ociosa crueza desta tarde.
 
XVI
Enquanto faço o verso, tu decerto vives.
Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue.
Dirás que sangue é o não teres teu ouro
E o poeta te diz: compra o teu tempo
 
Contempla o teu viver que corre, escuta
O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo.
Enquanto faço o verso, tu que não me lês
Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala.
O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas:
“Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas”.
Irmão do meu momento: quando eu morrer
Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo:
Morre o amor de um poeta.
E isso é tanto, que o teu ouro não compra,
E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto
 
Não cabe no meu canto.
 
XVII
Tudo demora. E tudo é véspera e nostalgia
Desse Agora, quando tu pensas que tudo se demora.
E por isso, noviça, aos poucos conhecendo
Repouso e brevidade desta vida, do meu ficar a sós
Pretendo apenas, fruir apesares e partidas
 
E júbilo também
 
Porque o instante consente essas duplas medidas.
Noviça da minha hora. Os rios correndo, o charco
Soterrando minúcias, quem sabe a minha memória
Conivências, o ouro do meu canto, irmãos
Dionísio e Túlio. Os rios correndo. E todos os poemas,
Fascinação de amantes e de amigos, os caminhos de volta
Pretendendo.



Fonte:
Instituto Hilda Hilst, Tumblr:
https://institutohildahilst.tumblr.com/post/98168010484/poemas-aos-homens-do-nosso-tempo-x-amada-vida


terça-feira, 27 de outubro de 2020

 

Úrsula

de Maria Firmina dos Reis - Resumo capítulo a capítulo.



Capítulo 1

                Inicia-se por uma exaustiva descrição da natureza, ambiente por onde vai cavalgando, de manhã, um mancebo cansado e triste, melancólico, vestindo um capote de algodão. Seu cavalo, cansado e lento, cai morto e, assim, o mancebo também cai e o cavalo fica por cima do pé do rapaz.

                Um homem à procura de água, vem cavalgando por ali e encontra o mancebo caído sob o cavalo. O homem tem 25 anos, e com a “nobreza de um coração bem formado”, escravizado, negro, muito generoso, “porque Deus o quis infeliz e virtuoso”. O negro, que se chama Tulio, cuida do mancebo, dando-lhe água, mas ele acorda e dorme outra vez. Ele levantou-se mas caiu sobre Túlio, neste momento se falaram e o mancebo lhe reconhece a bondade e a caridade, mas desmaiou de novo de febre, mas assim mesmo Tulio lhe pede autorização para levá-lo à casa de Luiza B., que é paralítica e que mora apenas com sua filha (linda). São boas senhoras, segundo ele.

                O mancebo pergunta-lhe o que Tulio quer por ter-lhe salvado a vida e Tulio pede apenas reconhecimento por sua atitude. Então, Tulio o leva e, na porta da casa da velha senhora, ele desmaia profundamente – letargia.

 Capítulo 2

                O jovem está deitado e em delírio profundo: “Eu a amei! Não, não a amei...”

                A filha de Luiza B., chamada Úrsula, “tão bela, tão caridosa, tanta compaixão lhe inspirava o sofrimento alheio”, cuidava da mãe e agora dele. Não dormiu nesta noite para cuidar de ambos, com Tulio à cabeceira dele, que recomeça o delírio: “Adelaide, Adelaide!”.

                Úrsula, considerando e refletindo o delírio do rapaz, acha que nunca vai amar, quando ele acorda e conversa com ela, agradecendo-lhe e ela a dizer que não precisa, não merece ser agradecida e chora e a lágrima, como pérola, cai na mão do doente, mas ele não viu porque desmaiou outra vez.

 Capítulo 3

                O jovem melhora gradativamente e já fala em partir. Dá dinheiro para Tulio comprar sua alforria. O mancebo melhora e precisa ir embora e falar com Úrsula, para despedir-se, agradecer-lhe, mas ela foge dele.

Úrsula, quando amanhecia, saía todos os dias para conversar com a natureza e com Deus, o que lhe aliviava de sua vida de cuidadora da mãe e de sua vida vazia.

Uma madrugada, porém, antes de o mancebo melhorar completamente, de repente, ela sai sozinha como sempre, ele a segue e, aos pés de um majestoso jatobá, declara a ela amor eterno e ela a ele. Eles falam na mulher dos delírios, Adelaide, e ele garante a Úrsula que ela passou, mas que lhe quer contar tudo, sua vida pregressa (o que se dá no capítulo seguinte), naquela madrugada mesmo.

 Capítulo 4 (flashback)

                Começa-lhe a contar a história. Aparece Adelaide, órfã de mãe e pai, filha de uma prima da mãe do Mancebo, de quem enfim descobrimos o nome: Tancredo. Adelaide mora na casa dele porque sua mãe cuida da prima Adelaide por serem parentes próximas. A mãe de Tancredo está triste, doente, mas fica feliz quando Tancredo volta (no flashback), quando ele conhece a prima, e o pai abraça-lhe orgulhoso. Tancredo, contando a Úrsula, diz que deve ter deixado passado algum olhar a Adelaide porque ela ruborizou ao vê-lo. Ele apenas a viu e adivinhou ter que amá-la. Neste capítulo aparece o patriarcalismo do pai e a obediência da mãe de Tancredo.

                A mãe dele lhe diz que Adelaide é pobre. Tancredo diz que ela é ambiciosa. A mãe lhe diz que amar Adelaide vai amargurar-lhe a vida. Ele insiste, a mãe o entende e concorda e vai falar com o pai, que arrogante, prepotente e sarcástico, humilha a mãe e nega Adelaide ao filho, Tancredo, que ouve toda a conversa no quarto ao lado.

 Capítulo 5

                Choram a negação do pai, Adelaide diz amar Tancredo, que sai para falar com o pai. Tancredo diz: “agora” sei que era mentira (porque ele está em flashback). O pai então lhe concede a permissão, mas pede a condição de esperar um ano, ao que se Tancredo se opõe, mas acaba aceitando. O pai lhe consegue um trabalho longe e seu pai ia lhe dizer o que fez e quem era o pai de Adelaide, mas Tancredo o interrompe e diz não querer saber. A discussão mostra o pai mais calmo, mas sempre superior e prepotente.

Capítulo 6

                Despede-se da mãe, que pressente ser a última vez que se veem. Ainda em flashback.

 Capítulo 7

                Tancredo se lembra como foi na cidade onde seu pai lhe arrumou uma posição. Quando estava lá, recebe cartas dos pais e de Adelaide. As da mãe sempre lindas e amorosas; as do pai sempre secas e breves, e as de Adelaide vão diminuindo em frequência cada vez mais. Lá nessa cidade, ele adoeceu gravemente e, quando melhorou, foi transferido para outra cidade, tendo que desistir de ir ver sua mãe e Adelaide. Ele é transferido ainda outra vez, mas agora de volta à mesma cidade onde trabalhava anteriormente e quando lá chega, fica sabendo que sua mãe havia morrido e, por isso, adoece de novo de tristeza.

                Quando recuperou-se um pouco mais, mas ainda estando sofrendo de tristeza e de saudade, foi à sua casa encontrar Adelaide... mas agora Adelaide estava casada com o pai dele! Adelaide é impassível mesmo ele lhe falando horrores! O pai dele entra, eles discutem, o pai respira com dificuldade, passando mal, lhe fala horrores e mais horrores a Adelaide, amaldiçoando-a.

                Termina o capítulo dizendo a Úrsula que esta é a história dele e ela lhe dá a mão. Fim do flashback.

 Capítulo 8

                Como era madrugada quando Úrsula saiu de casa e encontrou Tancredo e ele lhe conta 4 capítulos, quando ela volta para casa já é então manhã avançada e a mãe sente sua falta. Tancredo vem se despedir e Luiza B. vai lhe contar sua história e lhes diz que ela, Luiza, é irmã de um comendador, o comendador F. de P.

                O comendador a odeia por causa de seu casamento com Paulo B., que era pobre e de uma classe diferente da dos irmãos Luiza e comendador. Seu marido foi um péssimo marido, gastando a fortuna de Luiza e lhe sendo infiel. Foi assassinado quando Úrsula era bebê.

                Ao fim dessa conversa, quando Tancredo diz que quer se casar com Úrsula, Luiza B. desmaia, mas quando acorda diz que eles são primos, mas mesmo assim o casal ainda se quer e, apesar de tudo, a senhora os abençoa.

 Capítulo 9

                Tulio se despede de sua mãe de criação, Suzana, que lhe conta como era sua vida antes de ser escravizada. Este capítulo é muito importante nessa obra porque é o discurso do ponto de vista de uma escravizada sobre a escravidão. Recomenda-se a leitura. Suzana abençoa Tulio e lhe diz que ele agora é livre e pode seguir a vida que quiser.

 Capítulo 10

                Tancredo está indo embora com Tulio, voltando para a cidade onde ele tem trabalho, e Úrsula está arrasada despedindo-se dele. Ele vai embora e ela vai para a mata se consolar com a natureza como ela sempre faz. Então aparece um homem, desconhecido para ela, e armado para caçar. Ela não o reconhece e ele diz que não tenha medo porque ele é amigo da mãe dela. Ele a chama pelo nome, mas não se apresenta, e ainda diz ser apaixonado por ela, mas ela lhe é desdenhosa e indiferente (claro), e tem medo dele. Ele segura-a, ela se desvencilha dele e corre para casa. Ele então fica esbravejando e praguejando sozinho contra ela e se apresenta: é o irmão da mãe de Úrsula, o comendador F. de P., Fernando de P., e ainda a ameaça: ou ela será dela ou ela morrerá!

 Capítulo 11

                Úrsula fica pensando, se lamuriando, incomodada com a presença do tal homem, dorme, sonha, acorda, vai se deitar no colo da mãe, que está doente. Passa-se um tempinho e vem uma carta do irmão (o comendador, que Úrsula não sabe quem é), pedindo-lhe um encontro. Mais um tempinho depois, ele vem sem avisar, Úrsula ouve sua voz e reconhece o caçador de dias atrás e vai para a mata ficar lá enquanto a mãe conversa com ele, mas Suzana vem chamá-la porque a mãe está morrendo e quer lhe dar o último “ósculo”...

 Capítulo 12

                Úrsula então volta para casa e a mãe está morrendo na cama, ela lhe fala que o comendador matou o pai dela, Paulo B., e que ele foi à cidadezinha próxima buscar o padre para casá-los, o comendador e Úrsula, que se desespera. A mãe lhe diz que fuja e em seguida morre. Foi enterrada no cemitério de Santa Cruz.

 Capítulo 13

                Úrsula está no cemitério, chorando sobre a sepultura da mãe. O narrador se refere com muita ênfase ao estado de tristeza da menina e Tancredo volta com Tulio e a encontra no cemitério, desmaiada sobre o túmulo. Úrsula acorda e o capítulo acaba com eles rezando por Luiza B.

 Capítulo 14

                Flashback: O narrador volta à estrada no caminho de Tancredo e Tulio para Santa Cruz. Fernando está a mais de uma légua distante dos dois e Tulio vem falando sobre onde nasceu, nas terras de Fernando, como sua mãe foi embora e como e porque ele ficou com Suzana. Chegaram à casa de Úrsula e, não a encontrando pois estava no cemitério, Suzana lhes diz onde encontrá-la, então tocaram para lá.

 Capítulo 15

                Do cemitério seguem a um convento, onde pretendem se casar. Ali Tancredo e Úrsula noivam e Tancredo tem pensamentos sobre a sua futura mulher, idealizando-a ao gosto romântico.

 Capítulo 16

                Então o comendador Fernando vem daquela 1 légua e meia de atraso, voltando com os papéis para casar-se com Úrsula. Chegando em casa, procura pelo padre, que não está porque tinha saído para consolar a menina – todos se desencontram. O comendador sai para buscá-lo e o encontra na estrada, quando o padre lhe diz da morte da irmã e chegam à casa dela. Úrsula não está, já sabemos, mas Suzana sim e lhe diz que a menina está no cemitério, como de fato estava. Quando Fernando e o padre chegam lá, ela já tinha ido embora e já estava no convento com Tancredo.

                Fernando com raiva de Suzana, volta para sua casa e com raiva dela manda que o feitor traga dois negros para amarrá-la num cavalo, viva, para torturá-la e ela dizer-lhe a verdade. Ainda, mesmo sendo noite, manda os escravos voltarem para o trabalho. O feitor se nega a fazer o que ele lhe mandou, se demite e ainda tenta avisar a Suzana sobre o que a espera, mas ela diz a ele que não vai fugir porque é inocente. Fernando manda prender Úrsula e está prestes a sair, depois de praguejar e esbravejar muito e muito contra o padre, que está tentando convencê-lo de não ir buscar Tancredo, Tulio e Úrsula para matá-los. Em vão, ele está decidido. O capítulo acaba com Fernando dizendo que o padre é seu prisioneiro e com o padre xingando Fernando de assassino, mas Fernando está para sair sem lhe dar atenção.

 Capítulo 17

             Tancredo e Úrsula vão se casar (vestida de preto!), mas Tancredo estranha o sumiço de Tulio, que foi raptado por Fernando e estão ambos numa casinha suja e escura com o comendador lhe perguntando sobre Tancredo, mas Tulio não fala nada, claro. Com muito ódio, manda entregarem Tulio a Antero.

 Capítulo 18

                Antero (também escravizado) é o guardião da casa onde está preso Tulio. Antero é alcoólatra e Tulio enganando-o lhe dá dinheiro para comprar bebida. Ele sai, compra, mas bebe em casa, fica bêbado e Tulio então foge. No caminho da fuga encontra o padre, que diz que o casal está na igreja. Tulio corre para lá para salvar e avisar Tancredo que o comendador quer matar Tancredo e se casar com Úrsula. Porém, na porta da igreja, antes de falar com Tancredo, é assassinado por Fernando, que em seguida chega à carruagem dos noivos. Tancredo e Fernando lutam, mas os capangas do comendador seguram Tancredo e Fernando atira no rival. Sangrando, Tancredo dá seu primeiro, único e último beijo em Úrsula. Tancredo morreu.

 Capítulo 19

                Fernando e Úrsula estão em casa. Fernando está péssimo, arrependido de tudo o que fez, cheio de remorsos, e Úrsula está no quarto delirando, porque enlouqueceu.

 Capítulo 20

                Suzana está sendo enterrada (morreu porque foi torturada) e o padre está falando muita coisa, algo como “Eu te disse, eu te disse!” para Fernando, arruinado em remorsos. O padre leva o comendador ao quarto de Úrsula, que está em delírios de loucura e, repetindo algumas coisas ditas na hora em que Tancredo morreu, morre também...

 Capítulo 21 – epílogo

              Fernando vai interno num seminário, virando noviço e morre segurando um crucifixo, depois de se arrepender de seus pecados, atormentado pelo que lhe disse o frei que o acompanhava no seminário: “Você vai para o inferno!”.

                Adelaide ficou viúva, casou de novo e seu segundo marido a desdenhava.

                No altar da igreja há uma lápide onde se lê: “Orai pela pobre Úrsula!”.


                                                        Fernando Medeiros é professor de Literatura.

 

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Esquecimento, saque e desrespeito aos túmulos de "Nossa Gente"

Mapa do Cemitério da Consolação - disponível em sua entrada principal 
Porque não admiti ficar dormindo uma manhã inteira numa cidade como São Paulo, o que faziam minhas amigas, em viagem recente –janeiro de 2016– à terra da garoa, fui ao Cemitério da Consolação visitar os túmulos de meus mestres/ídolos Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Monteiro Lobato.


Como também sei que este tipo de passeio não agrada a todos e, como disse, estava só àquela manhã, aproveitei o momento.


Resolvo relatar isso agora como forma de crítica e de protesto à situação em que se encontra o jazigo da família Estanislau do Amaral –principalmente.


É sabido que os cemitérios –não só os de São Paulo– são alvo de vandalismo, roubo, descuido e descaso. O Cemitério da Consolação é, naturalmente, murado e acompanhando o muro vê-se arame farpado em espiral para tentar coibir ou como mais um artifício de segurança. Mas não é o suficiente.


QR Code Mário de Andrade
Segundo o funcionário que me atendeu à porta do Cemitério, é proibido fotografar lá dentro de forma a se identificarem os túmulos e os nomes das famílias sepultadas, principalmente famílias “comuns”, já que as sepulturas dos famosos e reconhecidos artistas/escritores já foram fotografadas e grandemente divulgadas na internet. Tal proibição talvez seja uma forma de evitar a denúncia ou de se silenciar um problema que –para mim– é grande e sério: nem nossos mortos escapam aos ladrões, aos saques, ao desrespeito? Que país é este que até seus mortos perturba, tirando-lhes a paz em troca de placas mortuárias de cobre?

Eu não sei, mas quanto custa uma placa de cobre? Quanto deve render ao “esperto” ladrão uma mísera placa de cobre? Eu desconfio que não seja lá grandes coisas... Vale mesmo a pena o risco pelo roubo dessas placas?

QR Code Oswald de Andrade
Por outro lado, também se faz necessária esta pergunta: Quanto custa (custaria) à Secretaria de Cultura –ou a qualquer outra a que se possa atribuir a manutenção dos túmulos– cuidar do jazigo de família de nossa grande dama das artes plásticas do Brasil, Tarsila do Amaral? Que seja a fortuna de cem reais por mês?

QR Code Tarsila do Amaral
O túmulo de Tarsila me deu um pouco mais de trabalho de localizar. E também, como disse, me deu um pouco mais de indignação ao vê-lo. Está do lado oposto aos túmulos de Mário e Oswald. Está praticamente todo depredado e sem quase nenhuma identificação. Ao passar pelo jazigo da família Guedes Penteado, onde se sepulta Dona Olívia Guedes Penteado, mecenas das artes e em especial dos modernistas, com uma suntuosa e belíssima escultura de Vítor Brecheret, um pouco mais adiante se localiza o de Tarsila.

QR Code Monteiro Lobato
Havia em cima, o que mais me chamou atenção, um vasinho de flor. Sabe dessas violetas que se vendem na porta de supermercados? Era um desse. Flores e folhas murchas já. O tampo do jazigo empoeirado, coberto por folhas secas. Nada mais, além das marcas das placas que ali estiveram um dia. A única identificação que ainda resta é a que indica “Família Estanislau do Amaral”.

Jazigo Estanislau do Amaral - Internet
O Cemitério disponibiliza um QR-code, afixado nos túmulos, para cada intelectual, artista, escritor, ou figura de grande expressão de qualquer área sepultados ali. Ao acessá-los temos textos lembrando a relevância deles para a área a que se dedicaram e, além disso, algumas curiosidades a respeito de sua vida e obra.

Jazigo Guedes Penteado - Internet
Mário de Andrade e Oswald de Andrade, sepultados na mesma rua, têm seus túmulos mais conservados. No de Oswald de Andrade, todo esculpido direto no mármore, não há o que se roubar. No de Mário, apesar de também haver placas de cobre, está conservado e cuidado.

Minha análise para isso é a de que, como Tarsila morreu bem depois de seus familiares mais próximos, como sua filha Dulce por exemplo, ela infelizmente não teve alguém que lhe cuidasse do túmulo. Ao contrário de Mário de Andrade, que deixou sobrinhos, e de Oswald de Andrade, que deixou filhos, que lhes puderam assegurar, preservar, cuidar e manter os seus jazigos de família.

Túmulo Oswald de Andrade
- Internet
Em situação parecida ao de Tarsila está o de Monteiro Lobato. A única indicação ao pai de Narizinho e Pedrinho, da Cuca e do Marquês de Rabicó, é a inscrição de seu nome e todas as outras placas já foram saqueadas.

Um país sem memória, sem valorização de sua cultura e de seu passado tem dessas pedras no caminho. Se nem aqueles que devem se preocupar com esses problemas, quem se preocupa? 

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Por um povo que saiba e que reconheça sua origem, que saiba e que reconheça seus pensadores!

Obs.: Todas as fotos dos túmulos que ilustram este texto foram retiradas da Internet. Apenas as fotos do mapa de localização dos jazigos e as fotos dos QR-Codes foram feitas por mim no dia da visita ao Cemitério da Consolação, 13 de janeiro de 2016.

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Fernando Medeiros é professor de Literatura.